O design de serviço, explicado.
Visualize a cena: Hoje é sábado, são 15h. Você acabou de ter um almoço super agradável com seu companheiro(a) em um restaurante que vocês adoram. Logo depois de compartilhar uma foto do almoço no instagram, você vê o anúncio do filme que vocês haviam comentado que queriam ver. Lá mesmo, do restaurante, enquanto esperam a conta, você acessa o aplicativo de ingressos, consulta horários e já compra seus ingressos pagando direto no app. Vocês vão direto para o cinema e, ao chegarem lá, mostram o comprovante no celular, pegam a pipoca, o refrigerante e o kitkat que compraram no combo e entram para a sessão.
O filme nem foi tão bom assim, mas a experiência que acabei de descrever foi. Ela foi tão boa que você nem percebeu, mas interagiu em vários "ambientes" diferentes. Você recebeu um anúncio no instagram, acessou o aplicativo do cinema, pagou com seu cartão de crédito já cadastrado e interagiu com funcionários no saguão e na lanchonete. Da porta pra dentro de toda essa estrutura criada para estimular você a ir ao cinema, muita coisa precisou ser viabilizada. Muita gente foi envolvida para que você não só gastasse R$70,00 em duas entradas de cinema, mas para que você também adicionasse outros R$29,00 da pipoca, do kitkat e do refrigerante e, claro, aceitasse pagar outros R$11,00 de taxa de serviço (Você gastou R$110,00 no total). A ferramenta estratégica que permitiu a máxima eficiência de todo esse processo é o que chamamos de design de serviço.
Vamos olhar por dentro:
A agência de marketing precisou veicular anúncios customizados para você no instagram— mas para fazer isso ela precisou de informações dinâmicas que estão lá no sistema do aplicativo.
A turma que mantém o aplicativo por sua vez precisou firmar uma boa parceria com diversos cinemas para que você pudesse consultar o melhor cinema e horário exatos para sua necessidade.
A turma dos cinemas precisou criar formas de receber o dinheiro dessa venda e claro, não poderíamos esquecer, precisou garantir que todos os funcionários daquele cinema não somente conhecessem, mas soubessem usar o sistema de comprovantes no celular que você apresentou.
É uma cadeia de interações, soluções e pessoas envolvidas.
A fluidez de um serviço depende de um desenho claro de toda a jornada. Quando esse desenho não existe, você não consegue ir ao cinema de um jeito muito simples. Você tem dificuldades para encontrar horários ou tem que enfrentar filas para comprar ingressos. O design de serviço é o trabalho de criação desse fio condutor, ele é a espinha dorsal do alinhamento entre diferentes pessoas, departamentos e empresas. Em nosso exemplo, todas as outras disciplinas que você talvez conheça melhor são encaixadas na jornada desenhada pelo designer de serviços, elas atendem necessidades específicas daquele momento da sua interação.
O ato de desenhar serviços é algo relativamente novo no vocabulário corporativo e, eu acredito, passou a fazer mais sentido dentro dos negócios quando o mundo se digitalizou. As distâncias encurtaram, a comunicação ficou ágil e não existem mais camadas isoladas de experiências. Hoje o mundo físico, a interação entre indivíduos e o mundo virtual se misturam num mesmo contexto. Os serviços passaram a ganhar contornos completamente diferentes e isso demandou uma estratégia diferente.
Nesse sentido, serviços que são desenhados de maneira consciente são mais fáceis de usar, são mais relevantes e, claro, são muito mais rentáveis.
O design de serviço é uma estratégia para o desenho de sistemas organizacionais centrados nas pessoas. Múltiplas interações, da porta pra dentro e da porta pra fora da empresa, criadas para entregar experiências relevantes às pessoas e melhores resultados para os negócios.
O desenho de serviços de forma consciente e estratégica pode aumentar receitas (1), pode melhorar a produtividade e eficiência da empresa (2) pode gerar diferenciação para as marcas na cabeça do consumidor (3) como também pode gerar maior satisfação do cliente (4). Quer ver alguns exemplos?
(1) Já reparou quanto gasta de Uber por mês? A fluidez do serviço e a invisibilidade do dinheiro não te leva a calcular muito bem quanto você gasta. A facilidade faz você usar mais, aumentando o fluxo de entradas na empresa. É aquela história que eu já ouvi de alguns amigos: "como é que algumas corridas de 8 reais se tornaram 1.000 reais no meu cartão de crédito?"
(2) Você já parou pra pensar que quando um hotel te fala sobre consciência ecológica te incentivando economizar no uso de diferentes toalhas eles estão reduzindo o gasto com lavanderia? Ou, por exemplo, quando uma imobiliária facilita a sua vida permitindo que você envie documentos pelo aplicativo ela está eliminando grande parte (ou completamente) do seu custo de pessoas para atendimento?
(3) Você já viu uma foto de um copo da Starbucks com o nome da pessoa no instagram. Essa ideia de “customização” na jornada de compra gera diferenciação da marca frente ao seus concorrentes. Tem foto no instagram e cliente satisfeito desfilando pela rua. Se torna a cafeteria mais legal que você respeita — independente da qualidade do café.
(4) Uma pesquisa da PWC em 2018 mostrou que 80% dos consumidores tem sua expectativa — e por conseguinte — sua satisfação atrelada à entrega do "básico" do serviço? Pelo básico eles entendem a velocidade, conveniência e um atendimento prestativo. Quando a jornada é fluida, a satisfação aumenta. Quando a satisfação aumenta, recompra e indicação tornam-se uma realidade.
Como são os projetos de Design de Serviço?
Os projetos de design de serviço são, em primeiro lugar, integradores. Eles integram diversos stakeholders e aglutinam muitas práticas e campos de conhecimento. A razão disso é relativamente simples: é impossível fazer um serviço sem interdisciplinaridade de conhecimentos.
A espinha dorsal da implementação de um projeto de design de serviço é uma clara visualização para todos os envolvidos de qual é a jornada de acontecimentos do serviço. Ela cria um território comum sobre expectativas, sobre gargalos e sobre a experiência desejada em cada ponto de contato entre o cliente e a marca. Abaixo, uma representação ilustrativa de uma jornada de serviços que usamos lá na
para explicar o tema em algumas ocasiões. Ela é baseada no método ATONE (Atores, Touchpoints, Oferta, Necessidades e Experiência), que foi apresentada no livroIsto é Design Thinking de Serviçosem 2014.
Nos projetos de design de serviço participam pessoas de diferentes backgrounds, pois cada um pode contribuir de uma maneira. Eu gosto de resumir em seis grandes grupos de conhecimento: Negócios, Processos, Tecnologia, Comportamento, Design e Especialistas Técnicos (que podem ser basicamente qualquer profissional, a depender da natureza daquele projeto — estilistas, agronomos, médicos, etc).
Os projetos geralmente passam por uma fase exploratória, uma fase de experimentação prática, uma fase de síntese e reflexão do serviço e a fase de implementação. Parece bastante simples e até óbvio, mas existem aqui dois fatores a serem ressaltados.
O primeiro é o fato que muitos negócios pulam da primeira hipótese direto para implementação com muita facilidade. Isso custa muito dinheiro às empresas. Quantos sites ou aplicativos não foram desenvolvidos e pessoas foram contratadas sem que a hipótese inicial pudesse ser validada com as pessoas? O retorno para corrigir o desenvolvimento ou a oferta do serviço certamente vai custar muito mais em tempo e dinheiro à empresa.
O segundo fato é o segredo da execução de cada uma dessas fases. A elaboração do projeto é integradora. Possivelmente você já estabelece parcerias com os principais stakeholders que serão responsáveis pela implementação lá na ponta. O processo, sendo holístico, começa estabelecendo premissas estratégicas — travas de segurança de negócio — , mas assume a perspectiva das pessoas a todo o tempo. Um destaque aqui para o design de serviço é a sua preocupação em considerar como parte essencial do projeto os envolvidos na entrega do serviço. Enquanto muitos projetos simplesmente ignoram as condições da "cozinha", os projetos de design de serviço tem outputs bem claros para o backoffice.
Não se perca na sopa de letrinhas
Uma dúvida que pode aparecer (se já não apareceu) nas suas pesquisas é a interação entre essas diversas siglas: Ux (User Experience), Ui (User Inteface), Cx (Customer Experience), Sd (Service Design), Dt (Design Thinking)… Parece papo de economista :P.
De uma maneira geral eu penso que é mais importante fazer do que realmente ficar tentando se enquadrar em algo. Essas “caixinhas” vão dialogar o tempo todo. Constantemente serão mixadas e combinadas. O espectro do Design Centrado nas Pessoas compreende um pouco de cada uma dessas coisas — e isso é o mais importante. Tente não se prender muito a essa discussão agora e pense simplesmente que você está expandindo (bastante) as fronteiras do que você possivelmente conhece como Design.
Por fim, vale ressaltar, que o design de serviço pode ser utilizado para empresas privadas, mas também tem gigantescas possibilidades no setor público como forma de otimizar recursos na área da saúde, educação, transportes e afins. Os serviços tornam-se mais eficientes para o Estado e mais relevantes e simples para os cidadãos. Um bom exemplo disso é o que vem fazendo o Governo do Reino Unido desde 2011 — um verdadeiro exemplo. É inevitável pensar como o Estado Brasileiro poderia melhorar sua alocação de recursos com as ferramentas e visões do Design. #FicaDica.
É isso, pequeno padawan, espero que ajude. Como eu gosto de dizer — num trocadilho inevitável: aproveite a jornada :)
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